Lei do Livre Arbítrio e a Dialética
- Patricia Carvalho
- 25 de jan.
- 4 min de leitura
Por muito tempo, essa questão de entender o conceito de Livre Arbitrío, não estava bem resolvida para mim. Se fomos criados por Deus, como algumas religiões pregam, e isso foi um ato posterior à criação, onde se encaixa a concepção de Livre Arbítrio? Afinal, para escolher nascer, é preciso ter consciência. Se "penso, logo existo", como poderia ter feito essa escolha antes de existir? Esse dilema me acompanhou por muito tempo.

Foi assistindo ao filme Divaldo: Mensageiro da Paz—que recomendo fortemente por seus profundos ensinamentos—que tive uma epifania. Em uma cena, Joana de Ângelis, mentora espiritual de Divaldo, afirma que a vida nos oferece oportunidades constantes de aperfeiçoamento e que precisamos "deixar de ser aquilo que não somos". Essa frase ressoou profundamente em mim. Como assim deixar de ser o que não somos? Logo percebi que isso significa que já somos, mas nos desviamos de nossas verdadeiras essências, pois nossos aprendizados, em grande parte, vêm de fora, não de dentro.
Desde o nascimento, nossas primeiras percepções são externas. Chegamos ao mundo abruptamente, saindo de um ambiente quente e seguro para uma realidade cheia de luzes, sons e estímulos desconhecidos. Nossa mente começa a construir percepções vagamente, e curiosamente nossa visão não é completamente desenvolvida ao nascer—um alívio, pois já lidamos com muitos outros sentidos se aguçando ao mesmo tempo.
Nosso conhecimento, portanto, parte da observação externa: aprendemos com os pais, professores, mídia e cultura. Estamos constantemente cercados por exemplos de sucesso e felicidade, moldando nossa visão do que deveríamos ser. Mas chega um momento—geralmente na adolescência—em que despertamos e percebemos que muitas dessas influências não nos representam. Passamos a questionar e a desenvolver um senso mais apurado de julgamento.
A Construção da Nossa Verdade
Nossa verdade, muitas vezes, é construída com base no reflexo dos outros. Vemos alguém feliz e tentamos replicar sua vida, acreditando que isso também nos fará felizes. Mas, ao vivenciar essa realidade, podemos nos sentir vazios, pois essa felicidade não é autêntica para nós. Cada indivíduo possui uma fórmula única e intransferível para sua realização.
Criamos versões de nós mesmos baseadas em expectativas externas: como devemos nos comportar, nos vestir, agir. Somos bombardeados por discursos motivacionais, por padrões impostos pela sociedade. No entanto, a verdadeira transformação ocorre quando paramos para refletir sobre essas camadas e questionamos se elas realmente nos pertencem. Precisamos deixar de ser aquilo que não somos para nos tornarmos quem verdadeiramente somos.
Isso exige um profundo autoconhecimento. É necessário esvaziar-se, colocar todas as nossas crenças em prateleiras e analisá-las minuciosamente: esse aprendizado é realmente meu ou foi imposto pela sociedade? Esse processo nos permite apropriar-nos de nossa verdadeira identidade.
Se "deixar de ser aquilo que não somos" implica que já somos, então dentro de nós já existem todas as potencialidades necessárias para exercer nossa individualidade plenamente. O problema é que, muitas vezes, não acreditamos que já somos completos. Se somos, então não podemos ser um ato posterior à criação. Isso me levou a concluir que, se Deus sempre existiu, então eu também sempre existi.
Mais tarde, encontrei essa mesma ideia em leituras sobre Micro e Macrocosmo e em outras filosofias. Mas foi minha experiência interior que me trouxe essa compreensão de forma plena. Apenas ler sobre isso não teria causado o mesmo impacto. Esse entendimento mudou drasticamente minha forma de ver a vida.
Consciência Coletiva e Unidade
Alguns textos sugerem que fazemos parte de uma consciência coletiva e que nossa individualidade seria apenas uma ilusão. Até certo ponto, concordo com essa ideia, mas há controvérsias. Se fôssemos uma única unidade sem distinção, não existiria a percepção de separação. Se todos fôssemos um, ao mesmo tempo não seríamos nada. Esse argumento, para mim, perde o sentido.
Se Deus existe, logo eu existo. A Bíblia diz que fomos feitos à "sua imagem e semelhança", o que sugere que temos todas as potencialidades dentro de nós. No entanto, diferentemente de Deus, não estamos em todas as coisas, pois nossa individualidade nos impede de sermos onipresentes ou onipotentes. Isso reforça a ideia de que cada um de nós tem um propósito único, uma função específica a desempenhar.
Dentro da minha teoria das esferas (que explico em minhas aulas de espiritualidade), cada um ocupa um lugar exclusivo, sem ser mais ou menos importante que outro. Cada ser é uma esfera individual dentro de uma esfera maior. Essa separação é essencial para termos consciência tanto de nossa existência quanto da existência de Deus. Sem essa distinção, não poderíamos nos perceber como indivíduos nem compreender a divindade.
Para que Deus exista, eu preciso existir. A vida se constrói na dialética, nos opostos. Essa dualidade fundamenta a Lei do Livre Arbítrio: ao dizer "sim" para algo, automaticamente dizemos "não" para outra coisa. Nossa realidade é criada em pares—escolha e renúncia, luz e sombra, individualidade e coletividade.
A Extensão de Deus
Se Deus existe, eu sou uma extensão d’Ele, assim como nossos braços e pernas são extensões do corpo. Podemos visualizar isso como uma grande estrutura: Deus seria o organismo completo, e nós, células individuais com funções específicas. Um neurônio não faz o trabalho de uma hemoglobina, e cada célula se realiza ao desempenhar sua função única.
Portanto, ainda que sejamos oriundos da mesma fonte, não somos uma unidade homogênea, mas sim partes individuais de um mesmo corpo. Deus é a totalidade, mas dentro dessa totalidade há separações funcionais. Assim, a individualidade não contradiz a existência divina, mas a complementa.
Somos perfeitos e completos em nossa essência. Não estamos "em potencial" para algo maior—já somos inteiros. O problema é que, ao longo da vida, nos afastamos dessa verdade, construindo camadas baseadas em emoções e experiências externas. Nossa jornada espiritual consiste em remover essas camadas e redescobrir quem realmente somos.
Conclusão
Assim como uma criança nasce e gradativamente descobre seus sentidos, nós também exploramos a existência, buscando compreender Deus e a nós mesmos. Esse processo ocorre na dualidade, na dialética, no Livre Arbítrio. Quanto mais nos conhecemos, mais compreendemos Deus.
Nosso vazio existencial só pode ser preenchido por nós mesmos, pois já somos completos. Mas, ao longo da vida, nos afastamos dessa completude e nos esvaziamos de nós mesmos. O caminho de volta é reencontrar nossas potencialidades e nossa essência, restaurando a harmonia e nos tornando extensões perfeitas da divindade.
Por
Patricia Carvalhô
Flor de Cerejéira!
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